PEQUERI
Estou
parado no carro, com o banco recostado, tentando tirar uma pestana depois do
almoço, numa rua calma de Pequeri.
Abro
os vidros das portas para que a brisa calma me embale.
Faz
um sol de maio, mas estou protegido pela sombra da casa de três andares em cuja
frente estacionei.
Jane
entrou numa casa do outro lado, totalmente iluminada por este mesmo sol que me
produz a sombra, para refazer antigos percursos emocionais, do tempo de seu
curso de formação de atores na Escola de Teatro Martins Pena, perto da Praça da
República, no Rio de Janeiro. Parecem duas realidades completamente distantes,
díspares, no tempo e no espaço. O curso realizado na década de setenta do
século passado, no Rio de Janeiro, e a busca pelo antigo colega, no tempo
presente, nesta bucólica cidade mineira que faz lembrar o poema Cidadezinha qualquer, de Drummond.
Ela
tanto perguntou aos moradores que encontrávamos, que acabou por achar a Rita,
irmã de seu colega Pequeri, que era o nome por que atendia o Gilberto, oriundo
desta pacata e simpática cidade mineira.
Contudo
não me foi possível a sesta pós-almoço, porque, embora estivesse praticamente
em outro mundo, diverso do burburinho e do medo que fazem a vida da cidade
grande, me mantinha desperto a trilha sonora vinda do casarão, na qual se ouvia
a obra de Cartola cantada por diversos astros da música brasileira.
E
ali, naquele quase fim de mundo para as minhas pretensões citadinas, a despeito
também de minha origem interiorana, pude constatar que o mundo - esse mundão de
Deus, como se costuma dizer no interior - é bem menor. Basta que, numa rua
deserta de uma cidadezinha qualquer, além das "casas entre
bananeiras", soe um símbolo maior que nos torna cidadãos semelhantes,
identificados na mesma cultura.
Daí
a pouco, vejo vir acompanhando a Jane a irmã do Pequeri, com um sorriso e tanto
no rosto e um porta-retratos com a foto dele, entre Paulinho da Viola, Zuenir
Ventura e Izabela Jaguaribe, diretora do documentário sobre o sambista, Meu tempo é hoje, do qual ele participou
na parte técnica.
Estava
lá, talvez apenas dois quilos menos magro e os cabelos já grisalhos, o Gilberto
Pequeri, que conheci na Martins Pena, nos duros anos de chumbo, quando aprendia
com minha mulher a magia da arte de representar.
Rua de Pequeri (foto do autor). |
Fonte: Blog Asfalto Et Mato