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quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Texto: Pequeri de meu tempo



Foi na Fazenda de Santa Luzia, a leste da Estrada de Ferro, num velho casarão construído, no tempo do cativeiro, onde eu nasci. Filho de pais do alem mar, sem conhecer as vitaminas, as penicilinas, cresci num ambiente sadio e feliz, desconhecendo o mundo fora dos limites do meu querido São Pedro do Pequeri. A natureza prodigiosa daquele tempo era o alento da boa gente das fazendas que nela tinha o seu sustento, o seu remédio e o seu divertimento.
Como todo garoto, aos sete anos fui para a escola no “arraial”, a fim de receber os primeiros ensinamentos de minha formação. Impulsivo no inicio, acostumei-me, logo, com os companheiros que comigo faziam boas e saudosas estripulias. Com o estudo eu não queria nada. Lembro-me do interesse que tive em aprender os nomes dos dias da semana, somente para marcar nas folhinhas as “quintas-feiras” e os “domingos” que eram os dias de folga, dias em que eu podia cavalgar o “Trento” meu cavalo pedrez que me levava ate a invernica para dar sal ao gado e a postar corridas com as novilhas desgarradas. Aos domingos, entr3tia-me com as arapucas e os alçapões na anciã de pegar algum canário, um sabia, uma juriti ou mesmo um tico-tico, enquanto que no velho açude gordas traíras, acaras e lambaris eram pescados em quantidade. Quando me fartava dos passarinhos e da pesca, ia ao mato buscar o mel das abelhas selvagens para um guloso regalo tão próprio das crianças de todos os tempos.
As plantações abundantes propiciavam  naquele tempo, farta colheita. Os carros de bois, com o seu chiado característico, anunciavam sempre a chegada ao terreiro vinham um após outro para derramar diante da casa grande, o café, o milho, o feijão, etc. numa euforia sem par. Era uma verdadeira festa a chegada dos primeiros carros com a primeira colheita. O ultimo carro era sempre enfeitado de ramos e flores silvestres. O pessoal delirava de contentamento. No primeiro sábado, após o inicio da colheita, era, então festejando o grande acontecimento. Os colonos italianos, herdeiros das tradições da sua terra natal, se ajoelhavam e lançavam uma prece a Deus, agradecendo o belo resultado dos seus esforços. Rezava-se o “terço” para depois da benção do Santo padroeiro das boas colheitas, ter inicio um esfuziante baile sob o som da sanfona. A meia noite dançava-se a quadrilha como ponto culminante dos festejos. Bebia-se a “temperada” que era uma deliciosa bebida preparada pelos italianos. Assim festejava no meu tempo, com incomensurável alegria a colheita farta que se repetiria nos anos seguintes.
No “Arraial” as festas do Mês de Maria eram esplendidas. Havia, não tenho duvida, mais alegria, mais gente, mais fartura e, por conseguinte, mais animação. O futebol era de uma animação nunca vista. Pequerience F. C. e S. C. Elite, dividiam as preferências locais.  Os homens torciam e brigavam, enquanto que as mocas na vigilância dos seus pais torciam caladas, com o pensamento no baile que certamente haveria a noite.
Como em todo lugar, o carnaval de S. Pedro do Pequeri marcou época.
Para o reinado de Momo, chegava sempre um carro especial da estrada de ferro com gente do Rio de Janeiro, pois, a fama das mocas de Pequeri era de que eram as mais bonitas da redondeza. Nos salões de baile, pisava-se em montes de confetes e serpentinas enquanto que no ar os guinchos dos lança- perfumes eram em profusão.
A política era assunto dos mais idosos. A rapaziada não se preocupava tanto com esse assunto. Seria, naquele tempo, deselegante um rapaz falar em política com a sua namorada. Levava logo um fora. E no comentário com as amigas, a donzela diria: “fulano é um bobo. Só fala em política, coisa que eu não entendo e nem sou eleitora”.
Como o tempo não espera por ninguém, senti chegada a mocidade, quando tive de m afastar daquele ambiente que tanto adorava. Fui para o colégio. As férias eram aguardadas sempre com viva ansiedade. A saudade o meu São Pedro do Pequeri era imensa. Como era bom  rever  tudo aquilo... Os dias de férias pareciam passar depressa. E antes mesmo que terminassem, eu começava a sentir o pungir impiedoso da saudade. Novo ano de estudo, novas férias.... E o tempo me fez homem.  Assim que terminei o curso, não encontrei trabalho compatível com os meus estudos no meu querido torrão. Parti para o Rio em busca de um futuro promissor. Enfrentei sozinho, mil e uma dificuldades, sem nunca desanimar e vencer finalmente. Ainda com os olhos voltados para frente, e com o pensamento no meu velho São Pedro do Pequeri, eu vejo passar 25 anos de ausência do torrão querido.
Quando visito Pequeri, não deixo nunca de olhar para o seus passado e compara-lo com o presente. Está tudo mudado. Sento-me, sempre sob uma velha e frondosa arvore, fecho os olhos para contemplar o deslumbramento de outrora. Como me sinto feliz!
Ao abri-los, sinto porem, uma magoa profunda. Não vejo ao redor de mim, os vastos cafezais, as verdes florestas despareceram. Tudo agora é pastos e montanhas desnudas. Levanto-me e me ponho a caminhar pela velha estrada onde eu cavalgara com os arroubos próprios da infância. Não encontro mais os camponeses nos campos. Suas casas não existem mais. Foram para outros lugares em busca de melhor situação. As juritis, os sabiás, os nhambus, as trocau, também se acabaram. No velho açude o anzol fica como que dando “banho à minhoca”pois os peixes não beliscam mais. A casa onde nasci também desapareceu. Nem mesmo as ruínas pude encontrar. Olho, finalmente, para o azul infinito do céu que e a única coisa que ainda resta. Ali a Mao do homem não pode alcançar para destruir.
 Volto ao “Arraial”que hoje goza dos foros de cidade. As suas ruas são as mesmas e o casario em quase nada foi alterado. Encontro-me com poucos conhecidos de outrora, pois, a maior parte da população é para mim, agora, desconhecida. Os antigos companheiros são homens como eu. Os moços do meu tempo ficaram velhos e os velhos na sua maioria, deixaram de existir. Tudo, tudo e tão diferente. Os costumes já não são os mesmos. As moças discutem  política com entusiasmo e coragem. O namoro é mais livre. As fábricas antigas desapareceram. No grupo escolar não encontrei mais as matronas amigas d’antes. Agora as professora são “brotinhos” na sua maioria ( aliás, é a única coisa que invejo dos atuais alunos).
Hoje meu querido São Pedro do Pequeri és cidade, porem, pouco progrediste. Do teu velho nome ficou apenas o Pequeri, mas guardo no coração as saudades daquele bom tempo. Tudo passa, tudo se modifica. Só não modifica o teu céu de azul puríssimo. E o meu desejo, meu velho Pequeri, e de que o mesmo sol que me viu nascer me veja morrer.
Fernando Vanni

Fonte: Jornal ‘O Pequeri’ – 17 de setembro de 1956.


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