Foi
na Fazenda de Santa Luzia, a leste da Estrada de Ferro, num velho casarão construído,
no tempo do cativeiro, onde eu nasci. Filho de pais do alem mar, sem conhecer
as vitaminas, as penicilinas, cresci num ambiente sadio e feliz, desconhecendo
o mundo fora dos limites do meu querido São Pedro do Pequeri. A natureza
prodigiosa daquele tempo era o alento da boa gente das fazendas que nela tinha
o seu sustento, o seu remédio e o seu divertimento.
Como
todo garoto, aos sete anos fui para a escola no “arraial”, a fim de
receber os primeiros ensinamentos de minha formação. Impulsivo no inicio,
acostumei-me, logo, com os companheiros que comigo faziam boas e saudosas
estripulias. Com o estudo eu não queria nada. Lembro-me do interesse que tive
em aprender os nomes dos dias da semana, somente para marcar nas folhinhas as
“quintas-feiras” e os “domingos” que eram os dias de
folga, dias em que eu podia cavalgar o “Trento” meu cavalo pedrez
que me levava ate a invernica para dar sal ao gado e a postar corridas com as
novilhas desgarradas. Aos domingos, entr3tia-me com as arapucas e os alçapões
na anciã de pegar algum canário, um sabia, uma juriti ou mesmo um tico-tico,
enquanto que no velho açude gordas traíras, acaras e lambaris eram pescados em
quantidade. Quando me fartava dos passarinhos e da pesca, ia ao mato buscar o
mel das abelhas selvagens para um guloso regalo tão próprio das crianças de
todos os tempos.
As
plantações abundantes propiciavam naquele tempo, farta colheita. Os carros de
bois, com o seu chiado característico, anunciavam sempre a chegada ao terreiro
vinham um após outro para derramar diante da casa grande, o café, o milho, o
feijão, etc. numa euforia sem par. Era uma verdadeira festa a chegada dos
primeiros carros com a primeira colheita. O ultimo carro era sempre enfeitado
de ramos e flores silvestres. O pessoal delirava de contentamento. No primeiro
sábado, após o inicio da colheita, era, então festejando o grande
acontecimento. Os colonos italianos, herdeiros das tradições da sua terra
natal, se ajoelhavam e lançavam uma prece a Deus, agradecendo o belo resultado
dos seus esforços. Rezava-se o “terço” para depois da benção do
Santo padroeiro das boas colheitas, ter inicio um esfuziante baile sob o som da
sanfona. A meia noite dançava-se a quadrilha como ponto culminante dos
festejos. Bebia-se a “temperada” que era uma deliciosa bebida
preparada pelos italianos. Assim festejava no meu tempo, com incomensurável
alegria a colheita farta que se repetiria nos anos seguintes.
No
“Arraial” as festas do Mês de Maria eram esplendidas. Havia, não
tenho duvida, mais alegria, mais gente, mais fartura e, por conseguinte, mais
animação. O futebol era de uma animação nunca vista. Pequerience F. C. e S. C.
Elite, dividiam as preferências locais. Os homens torciam e brigavam, enquanto
que as mocas na vigilância dos seus pais torciam caladas, com o pensamento no
baile que certamente haveria a noite.
Como
em todo lugar, o carnaval de S. Pedro do Pequeri marcou época.
Para
o reinado de Momo, chegava sempre um carro especial da estrada de ferro com
gente do Rio de Janeiro, pois, a fama das mocas de Pequeri era de que eram as
mais bonitas da redondeza. Nos salões de baile, pisava-se em montes de confetes
e serpentinas enquanto que no ar os guinchos dos lança- perfumes eram em
profusão.
A
política era assunto dos mais idosos. A rapaziada não se preocupava tanto com
esse assunto. Seria, naquele tempo, deselegante um rapaz falar em política com
a sua namorada. Levava logo um fora. E no comentário com as amigas, a donzela
diria: “fulano é um bobo. Só fala em política, coisa que eu não entendo e
nem sou eleitora”.
Como
o tempo não espera por ninguém, senti chegada a mocidade, quando tive de m
afastar daquele ambiente que tanto adorava. Fui para o colégio. As férias eram
aguardadas sempre com viva ansiedade. A saudade o meu São Pedro do Pequeri era
imensa. Como era bom rever tudo aquilo... Os dias de férias pareciam passar
depressa. E antes mesmo que terminassem, eu começava a sentir o pungir
impiedoso da saudade. Novo ano de estudo, novas férias.... E o tempo me fez
homem. Assim que terminei o curso, não encontrei trabalho compatível com os
meus estudos no meu querido torrão. Parti para o Rio em busca de um futuro
promissor. Enfrentei sozinho, mil e uma dificuldades, sem nunca desanimar e
vencer finalmente. Ainda com os olhos voltados para frente, e com o pensamento
no meu velho São Pedro do Pequeri, eu vejo passar 25 anos de ausência do torrão
querido.
Quando
visito Pequeri, não deixo nunca de olhar para o seus passado e compara-lo com o
presente. Está tudo mudado. Sento-me, sempre sob uma velha e frondosa arvore,
fecho os olhos para contemplar o deslumbramento de outrora. Como me sinto
feliz!
Ao
abri-los, sinto porem, uma magoa profunda. Não vejo ao redor de mim, os vastos
cafezais, as verdes florestas despareceram. Tudo agora é pastos e montanhas desnudas.
Levanto-me e me ponho a caminhar pela velha estrada onde eu cavalgara com os
arroubos próprios da infância. Não encontro mais os camponeses nos campos. Suas
casas não existem mais. Foram para outros lugares em busca de melhor situação.
As juritis, os sabiás, os nhambus, as trocau, também se acabaram. No velho
açude o anzol fica como que dando “banho à minhoca”pois os peixes
não beliscam mais. A casa onde nasci também desapareceu. Nem mesmo as ruínas
pude encontrar. Olho, finalmente, para o azul infinito do céu que e a única
coisa que ainda resta. Ali a Mao do homem não pode alcançar para destruir.
Volto
ao “Arraial”que hoje goza dos foros de cidade. As suas ruas são as
mesmas e o casario em quase nada foi alterado. Encontro-me com poucos
conhecidos de outrora, pois, a maior parte da população é para mim, agora,
desconhecida. Os antigos companheiros são homens como eu. Os moços do meu tempo
ficaram velhos e os velhos na sua maioria, deixaram de existir. Tudo, tudo e
tão diferente. Os costumes já não são os mesmos. As moças discutem política
com entusiasmo e coragem. O namoro é mais livre. As fábricas antigas
desapareceram. No grupo escolar não encontrei mais as matronas amigas
d’antes. Agora as professora são “brotinhos” na sua maioria (
aliás, é a única coisa que invejo dos atuais alunos).
Hoje
meu querido São Pedro do Pequeri és cidade, porem, pouco progrediste. Do teu
velho nome ficou apenas o Pequeri, mas guardo no coração as saudades daquele
bom tempo. Tudo passa, tudo se modifica. Só não modifica o teu céu de azul
puríssimo. E o meu desejo, meu velho Pequeri, e de que o mesmo sol que me viu
nascer me veja morrer.
Fernando
Vanni
Fonte:
Jornal ‘O Pequeri’ – 17 de setembro de 1956.
Nenhum comentário:
Postar um comentário