FAZENDA DO LIMA – A ÚLTIMA SESMARIA
Depois de sessenta anos de uma decisão judicial que a considerou inalienável ao longo de algumas gerações e ocupando um quinto do território do município de Pequerí, ressurge a ocupação da Fazenda do Lima sob a égide de ricos empresários que a adquiriram e a dividiram em modernas propriedades rurais para seus hobby e lazer. Certamente, a fácil localização nas proximidades do Rio de Janeiro e onde os conflitos pela terra são praticamente inexistentes, eles implantaram seus projetos com modernos haras, técnicas agrícolas, eletrificação rural, telefonia, rebanhos com pedigree, boas vivendas, etc. e promoveram, inclusive, o paisagismo racional e a revitalização da mata atlântica antes quase totalmente destruída. Tal modernidade tem surpreendido e encantado munícipes e transeuntes da poeirenta estrada municipal que liga Pequeri à localidade de Sossego e que atravessa as terras da histórica fazenda. Os filhos da terra, na sua vocação telúrica aplaudem confiantes os novos e ricos proprietários de sítios e fazendas que adotaram novos topônimos em seus quinhões e lançam umolhar de agradecimento ao céu. OS quatrocentos e tantos alqueires mineiros considerados malditos por ocultarem por quase 40 anos a escravidão de negros após a abolição, já não são mais “terra de ninguém”. Dos seus 600 moradores nas décadas de 1920 e 1930, restavam
apenas dois ou três personagens, além do fazendeiro Zeferino e da sua fiel Bá. O imenso vazio de gente era um desafio ao desenvolvimento do município e verdadeira nódoa na vocação dos homens que fizeram a história de Pequeri e da microrregião.
A história da Fazenda do Lima constitui um importante capítulo do povoamento da região após a liberação das terras do sul da Zona da Mata inseridas no triângulo denominado das “ matas proibidas”. Sua origem remonta ao início da cultura de cafezais em terras doadas pelo governo imperial, ou pelos governadores de províncias, a colonizadores e povoadores de sertões que derrubaram as matas onde tudo era proibido.
A fazenda tem sua origem com a doação de uma sesmaria ao padre português Antônio José de Mello Lima, como prêmio por haver aceito, em 1823, seu provisionamento na capela de Santana do Deserto, confundida na época, como localizada nos sertões do rio Doce. O nome de Zona da Mata ainda estava longe da realidade com que os sertões entre os rios Paraíba do Sul, Pomba e Paraibuna seriam mais tarde conhecidos. Foi Celso Falabella Figueiredo de Castro, famoso historiador mineiro nascido em Mar de Espanha, quem nos brindou com a certidão fornecida pelo Arquivo do Estado premiando o padre Lima que teve seu nome perpetuado na fazenda que um dia se tornaria famosa.
Sem vocação rural e obstinado pela vida religiosa em sertões ainda inóspito, o padre Lima, pouco tempo tinha para cuidar da fazenda. É possível que tenha, pelo menos, iniciado uma modesta plantação de cafeeiros dentro do amplo espaço de selvas virgens a fim de assegurar a sua posse. Sem herdeiro direto, seu sucessor foi o sobrinho Manoel Ignácio de Mello e Souza, português diplomado em direito pela Universidade de Coimbra, que na capital ocupou uma cadeira no
Senado do Império depois de ter sido desembargador em São João Del Rei e governado a gloriosa província das Minas Gerais. Por seus relevantes serviços prestados ao Império, foi agraciado com o título de Barão do Pontal, com o qual ficou conhecido ao longo da história e, por fim, esquecido. Empolgado com a imensidão de terras férteis, o Barão do Pontal,dinamizou a lavoura de café e construiu, em 1838, a imponente sede da fazenda, importando o famoso pinho de Riga para seus forros, pisos,janelas e portas. Em homenagem ao tio, conservou o nome da propriedade, antes conhecida como Fazenda do Padre Lima para identificar " ad aeternitatem" a vasta e promissora propriedade, fadada a ser a única sesmaria a chegar intacta ao final do século XX.
Sem a graça da paternidade, o Barão do Pontal criou uma menina que lhe herdaria os bens e se casaria com o fazendeiro Albino Cerqueira Leite I , membro de tradicional família sesmeira de terras em Simão Pereira, na época conhecida como Rancharia.
Albino Cerqueira Leite I era irmão do desembargador Pedro Alcântara Cerqueira Leite, mais tarde Barão de São João Nepomuceno e que também governou a província de Minas Gerais. Dono da Fazenda da Gruta em Santana do Deserto, Pedro Alcântara foi o idealizador da criação da Companhia de Estrada de Ferro “União Mineira” que desbravou a região com a construção da ferrovia ligando a estação de Serraria, na divisa do estado do Rio de Janeiro a São João
Nepomuceno, passando pelas suas terras e nas do irmão Albino permitindo, inclusive, o surgimento das localidades de São Pedro do Pequeri, Bicas, Santa Helena, Sossego e Silveira Lobo.
Situada na parte sul do município de Pequeri e confrontando com os municípios de Santana do Deserto e Mar de Espanha, a Fazenda do Lima foi sempre referência nas descrições de divisas entre antigos distritos de paz que mais tarde seriam transformados em municípios. Estava fadada a ser território exclusivo de Pequeri, desde a criação do distrito, desmembrado de Sarandira, em 1890. Segundo Zeferino Cerqueira Leite, neto de Albino I, algumas terras vizinhas, situadas em outros municípios, foram anexadas à Fazenda do Lima por compra, porém há contradições curiosas quando foi adotada a fixação de divisas municipais e distritais pelo sistema de águas vertentes, o que ocasionou o fato de alguns pedaços, ou pontas de fazendas passarem à jurisdição de outros municípios.
Por longos anos, a Fazenda do Lima foi considerada inalienável, passando de geração em geração a varões do mesmo clã até que a sorte mudasse sua história. As propriedades vizinhas tiveram rumo diferente. Foram alteradas nos seus espaços, divididas em sítios e fazendas em decorrência de partilhas de heranças, mudaram de senhores e até tiveram novos topônimos como as fazendas de Santa Isabel, hoje Mãe Geninha; Cachoeira, Santo Inácio, Aparecida, Bom Jardim e Castelo, desmembradas das sesmarias de São Pedro e Santa Rosa, subdivididas ainda, em sitio do Carazal ( Hoje, Santa Fé), Bela Itália, sitio São Pedro, sitio Santa Rita, sítio das Perobas, etc.
Apesar de ter sido recordista na produção de café em terreno demontanhas alcantiladas, a fazenda sempre teve uma grande reserva da mata atlântica. Tinha guardas para protegê-la e impedir a caça por aventureiro, roubo de lenha e madeira. Suas matas abrigavam uma rica fauna, com lobo guará, veado campeiro, javali, capivara, jaguatirica, quati, macacos diversos, paca, tatu, etc. Destruída
parcialmente quando em decadência nos anos de 1940, a fazenda foi o grande celeiro de lenha para as locomotivas da Leopoldina Railway durante a Segunda Guerra Mundial. Porém, o êxodo rural e o abandono em que a fazenda viveu a partir dos anos de 1930, possibilitou a recuperação parcial da mata atlântica, a despeito de alguns arrendamento de pastos a inescrupulosos parceiros que sonhavam em apropriar-se de alguns quinhões de suas terras.
Nos lúgubres grotões da serra do Lima e da serra da Piedade, seencontram as nascentes do rio Caguicho, ou Cágado pequeno, Zumbi e outros ribeirões que integram a bacia do rio Cágado. Das entranhas da terra ficaram conhecidas as reservas de caulim, feldspato, cristal de
rocha e malacacheta que nunca foram exploradas por conta da excentricidade de Zeferino Cerqueira Leite, sempre desconfiado e cauteloso contra as artimanhas de mineradores aventureiros e a
incerteza quanto aos segredos do sub solo numa época em que a prospecção mineral anda não era confiável.
Texto escrito pelo Historiador Julio Cezar Vanni, publicado originalmente no Jornal O MUNICÍPIO na coluna : Cultura, Gente e Ideias, Bicas, MG, 1º a 29 de fevereiro de 2012.